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quinta-feira, 17 de abril de 2014

Liberdade para amar... Parte 5 (final)

No beco do Inferno em Vida há muitos jovens. E estão lá porque se cansaram de ser bonzinhos e direitinhos. Para eles houve um dia em que a bondade não compensou, tinham de experimentar e experimentaram um passeio pela encantadora Avenida da Liberdade. E machucaram-se. E não houve apenas uma vez. Mas preferiram ficar e viver perigosamente. É melhor, segundo eles, os riscos da Avenida da Liberdade da Cidade dos Homens, do que sentir a monotonia e a chinesice da Rua da Liberdade da Cidade de Deus.

Mas há um dia em que a dor dói mais. E é nesse dia, ou num desses dias, que verão a mão estendida, o olhar de ternura e o gesto silencioso de algum indivíduo que nunca agrediu, nem proibiu e, com um sorriso, um abraço, e até mesmo um beijo fraterno não deixou também de censurar e dizer: "Cuidado irmão, não se esbarre!" "Cuidado irmã, não vá depressa demais!"

Nesse dia e reconhecendo que a sua liberdade não valeu a pena, talvez desejem voltar à rua que proíbe e que exige renúncias, mas que leva, sem acidentes, à Praça da Grande Paz. E oxalá encontrem um coração amigo que lhes ensine novamente a arte de ser bom.

Talvez não entendam isto: "Há um tipo de liberdade que liberta e um outro que escraviza." Uma é a liberdade difícil que exige renúncias incríveis e dolorosas. Outra é a liberdade que manda às favas todo e qualquer padrão, toda e qualquer proibição porque é saborosa e deixa um cheiro de prazer na boca  no resto do corpo... o problema? Exige um depois e é este depois que mostra se valeu a pena.

Pais solteiros e mães solteiras, vítimas do sexo, da droga, da violência, do amor livre... por favor, contem a sua história. Não é verdade que aconteceu no dia em que se cansaram de ser bonzinhos e/ou de levar sempre a pior?... Não é verdade que tudo começou no dia em que perderam a esperança no futuro e se reprimiram à toa?


A liberdade é como uma avenida. Não é por ser larga e bem iluminada que ela tem sentido... é pela direcção que toma...

(final)

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Liberdade para amar... Parte 4

Daí por diante, a pomposa avenida tomou o modesto nome de Rua do Remorso que, cheia de meandros e de "proibidos e permitidos", passa pelo Obscuro Bairro da Felicidade que também existe na Cidade dos Homens. Lá toma o nome de Rua do Reencontro, levando finalmente à Praça da Paz Completa que se funde com a Praça da Grande Paz.

Conheço gente que jamais saiu da Cidade de Deus e já chegou à Praça da Grande Paz.

Conheço outros que estão penosamente a caminho, mas não pretendem sair da estreita Rua da Liberdade.

Conheço outros que pensam em sair, porque acham muito maçador ter de engolir um caminho tão estreito e tão cheio de imposições e renúncias, quando há gente a divertir-se, gozando a vida e indo também para a mesma direcção...

E sei também daqueles que tomaram o desvio, não conto o que aconteceu. Será melhor que eles mesmo digam a quem quiser ouvir. O certo é que a liberdade sem limites é qualquer coisa de inimaginável para quem  nunca a trilhou. Deixa enfeitiçados os que por ela transitam. Tira-lhes a capacidade de ouvir ou escutam mas não ouvem. Não querem nem saber onde vai dar desde que passe pelos locais que o mapa indica. Durante o trajecto não adianta dizer nada. Não acreditam porque ninguém para ou abranda a velocidade a não ser em caso de acidente. É na curva final, que os leva ao beco sem saída, que se deve esperá-los. Talvez percebam a tempo de evitar o desastre mas se nem isso for possível, resta o consolo de saber que ainda é possível salvar os que desejam sair do Inferno em Vida.

(continua)

terça-feira, 15 de abril de 2014

Liberdade para amar... Parte 3

Deliciosa de percorrer, não há limites de velocidade, nem aquela chinesice de "proibido ou permitido", na Avenida da Liberdade, que cruza a Cidade dos Homens. Cada um conduz como quer, desde que deixe os outros conduzirem. E não há guardas de trânsito a aborrecer-nos a toda a hora e a fazer-nos sinais ou gestos severos, nem existe ninguém a multar ninguém. Correr por ela é o mais maravilhoso que se possa imaginar.


A maior inconveniência acontece quando há um acidente. E há muitos, infelizmente, porque nisto de cada um conduzir como quer, sempre acontece um mau encontro. Aí vem a burocracia do "quem paga, quem assume, quem foi o maior culpado, quem provocou, quem foi o maior lesado, quem fica com as consequências, quem paga o maior preço..." e assim por diante. Depois do acidente, é que começam as complicações da Avenida da Liberdade. Com o tempo, os que lá transitam começam a perceber que, apesar da maciez e do excelente campo visual, ela não compensa. É mais perigosa que a Rua da Liberdade da Cidade de Deus. Tem menos proibições, mas é muito mais deprimente. E as estatísticas mostram que a grande maioria dos viajantes não chega inteiro à Praça da Grande Paz.

E há mais uma agravante: Os que já percorreram e conseguiram sair de lá por milagre, dizem que a Avenida da Liberdade acaba num beco sem saída, onde se entulham os trastes e o lixo da cidade.

O lugar chama-se também Inferno em Vida. Quem caiu ali e conseguiu sair, afirma que a saída é estreita e penosa. Quase ninguém consegue sair sem a ajuda de fora. Mesmo assim, sai muito machucado.

(continua)

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Liberdade para amar... Parte 2

As placas avisam que velocidade imprimir, em que esquinas diminuir a marcha e, de bairro em bairro, anunciam a aproximação da Praça da Grande Paz.

Não se pode dizer que, na Cidade de Deus, a Rua da Liberdade seja um trajecto simpático e atraente. Não dá nunca para conduzir como a gente gosta. Os constantes avisos de atenção, de permitido e proibido acabam por cansar. E não são poucos os que, loucos pela vontade de sentir o volante e aliviar a tensão sofrida com tantas exigências e imposições, metam por atalhos até chegarem à Cidade dos Homens, que tem uma larga avenida de fundo de vale, também chamada Avenida da Liberdade.

A Cidade dos Homens situa-se paralela à Cidade de Deus. Congeminam-se na Praça da Grande Paz, justamente porque ali ficavam as praças da Paz Celestial, da Cidade de Deus, e da Paz Completa da Cidade dos Homens. Como se tratava da mesma realidade, tomou então o nome de Praça da Grande Paz, que é onde levam todas as estradas da Cidade de Deus e da Cidade dos Homens.

A Avenida da Liberdade é, sem duvida, muito mais pomposa que a outra, a Rua da Liberdade. Começa pelo titulo. Tem um campo visual incrivelmente fantástico. Larga, ampla, toda iluminada, praticamente sem sinais de permitido e proibido e sem semáforos, é o sonho de todo aquele que já teve em mãos um volante. As únicas placas que se vêem apontam para a Praça da Grande Paz.

A sua geografia é incrível. Começa na Porta da Inconsequência, Bairro da Felicidade Imediata. Logo a seguir passa pelo Bairro do Prazer Sem Censura, e vai a toda a velocidade pelas regiões mais incríveis: Baixada do Amor Livre, Novo Paraíso, Nova Humanidade, Bairro do "Never Stop", Esquina do Vale Tudo, Curva das Delícias, Esplanada do Grande Eu, Rotunda do Cada Um Para Si, Baixada do Amor Sem Compromisso e Recta dos Amores Ocasionais...

(continua)


domingo, 13 de abril de 2014

Liberdade para amar... Parte 1

A liberdade é como uma avenida. Não é por ser larga e bem iluminada que ela tem sentido... É pela direcção que toma...

Na Cidade de Deus há uma rua chamada Rua da Liberdade. É estreita, sinuosa, cheia de avisos de permitido e proibido, mas corta a cidade inteira e até hoje nunca se ouviu dizer que nela tivesse havido algum acidente grave.

Começa na Porta da Responsabilidade, Bairro do Compromisso e vai ladeando vales e colinas, sempre estreita e difícil enquanto passa pelo Bairro da Coerência, da Renuncia, do Diálogo, da Prudência, do Ideal, da Justiça, em direcção ao Jardim Paraíso onde toma, então, o nome de Avenida da Felicidade e termina na Praça da Grande Paz.

Embora seja uma estrada de trânsito difícil, que exige a máxima atenção dos que por ela transitam, tem muitos sinais, mas poucos semáforos. Raramente se encontra um sinal vermelho que dure muito tempo. O que mais funciona é o verde. O amarelo nunca se apaga para lembrar que, na Rua da Liberdade, todo o cuidado ainda é pouco.

(continua)

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam 
Como se tivessem boca. 
Palavras de amor, de esperança, 
De imenso amor, de esperança louca. 

Palavras nuas que beijas 
Quando a noite perde o rosto; 
Palavras que se recusam 
Aos muros do teu desgosto. 

De repente coloridas 
Entre palavras sem cor, 
Esperadas inesperadas 
Como a poesia ou o amor. 


(O nome de quem se ama 
Letra a letra revelado 
No mármore distraído 
No papel abandonado) 

Palavras que nos transportam 
Aonde a noite é mais forte, 
Ao silêncio dos amantes 
Abraçados contra a morte. 

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'