Este conto, é a continuação de um outro, publicado neste blogue há muito tempo e que tem o nome Submissa... - Clique aqui para ler.
A minha vida estava nesta altura, como se diz na gíria popular, “de pernas para o ar”! Eu vivia os meus dias a pensar no que havia acontecido, no que nos havia levado a isto e na minha cabeça os pensamentos andavam a “mil à hora” e suspirava de todas as vezes que me lembrava dela.
“Os dias passavam tranquilos na maioria das vezes, mas, num ápice e sem motivo aparente ela transformava-se e virava uma outra pessoa... Discutíamos quase todos os dias e tudo era motivo para tal comportamento, isso acontecia se eu não respondia de imediato às suas mensagens ou não atendia logo as suas chamadas, se por algum motivo saía mais tarde do trabalho ou demorava mais tempo a chegar a casa, mas piorava por estar simplesmente na conversa com alguma amiga ou amigo fosse pessoalmente ou na internet. Tudo era motivo para os seus surtos e estes eram cada vez mais frequentes... nesses momentos já não havia razão, apenas emoção! Tudo o que havíamos construído começava a desmoronar porque o seu controlo incessante me sufocava ao ponto de não conseguir sequer respirar e os seus ciúmes doentios tomavam proporções assustadoramente perigosas ao ponto de chegar a temer pela minha integridade física.”
O dia acordou sombrio tal como o meu humor, abri os olhos e mais uma vez sinto o vazio, estou sozinha na minha cama, no meu quarto, na minha casa... partiu dela darmos um tempo e isso, por si só, foi surpreendente. Talvez ela tenha entendido, finalmente, que eu estava completamente de rastos e sofria imenso. Não passava um dia em que não chorasse e depois, ela chorava também...
Dar um tempo pode ser algo doloroso, mas se por um lado achei que seria bom para limparmos a cabeça, por outro senti que estávamos a falhar enquanto casal se já não conseguíamos conversar como gente civilizada. Bom, o mal estava feito, agora já era um pouco tarde para remediar isso.
Quando saí da casa dela não imaginava que seria tão difícil esta distância e apesar de tudo, não me estava a fazer bem nenhum. Como será que ela estava a reagir a tudo isto? A verdade é que não sabia, nunca mais falámos uma com a outra e apesar de a amar e sentir muito a sua falta, sabia que não podia continuar a ser anulada e maltratada por ela. As suas constantes cenas de ciúmes e a possessão doentia estavam a deixar a nossa relação “sem pernas para andar” e eu não estava a aguentar mais.
Assim, nestes dias, a minha escapatória era, tão só, trabalhar e fazer exercício por forma a aliviar a tensão acumulada e o estresse. Todos os dias de manhã, bem cedo, tentava sair de casa para ir correr e aliviar a cabeça depois de mais uma noite mal dormida. Correr junto ao tejo pela manhãzinha e sentindo o ar fresco invadir os meus pulmões dava-me alento a continuar, libertava-me por momentos da angústia que a calmaria e a solidão me traziam, porque quando parava todos os meus pensamentos me levavam de volta a tudo aquilo que eu queria esquecer.
Por todos os motivos e mais alguns, a relação e ligação aos meus amigos estava a atravessar uma fase conturbada e delicada, digo delicada, porque me havia afastado sem dar conta de todos eles ou quase, afinal tínhamos vários amigos em comum e por mais que eu não quisesse, sabia que acabaria por “esbarrar” nela mais cedo ou mais tarde.
Apesar deste meu afastamento, a Sónia, minha melhor amiga, era das únicas com quem ia falando regularmente e ela quase sem querer ia fazendo a “ponte” entre mim e a Katia. Ela levava ou trazia recados, levava ou trazia roupas, objetos e outras coisas que com estas mudanças haviam ficado para trás na casa de uma ou da outra. Mesmo tendo tão ingrata tarefa, a Sónia, mantinha-se o mais imparcial possível por ser amiga de ambas, mas sempre ia dizendo que havíamos chegado a este ponto por culpa minha. Eu até entendia, em parte, a sua razão ao dizer isto, mas, para mim, o colete-de-forças em que vivia diariamente mais vontade me dava de soltar amarras e ser livre...
Nesse dia eu cheguei a casa decidida, tomei um duche quente, relaxante e demorado, sequei os meus cabelos olhando o meu reflexo desfocado no espelho, vesti a minha lingerie mais sensual (para me sentir confiante), um conjunto de cabedal (sim, eu sabia que ia ser uma luta difícil) e calcei os meus sapatos com o salto mais alto que tinha. Depois de pronta, olhei-me ao espelho, respirei fundo e saí para ir conversar com ela.
Toquei à campainha e esperei que me abrisse a porta do prédio, ela abriu, mas não disse uma palavra sequer pelo intercomunicador. Eu entrei, chamei o elevador e como ele estava no último andar, tive que esperar. Esta espera fez aumentar a minha ansiedade e o meu coração batia desenfreado no peito. Sabia que tinha de me controlar, também sabia que não dava mais, e que o amor, sozinho, não suporta tudo. Sabia que amar alguém não pode nem deve levar a este tipo de humilhação e rebaixamento. O elevador chegou e abriu as portas. Era agora, tinha de ser forte.
Quando cheguei ao andar do seu apartamento, depois de uma subida que me pareceu eterna, ela já me esperava à porta do elevador. Olhou para mim de olhos arregalados e a sua boca abriu-se de espanto quando me viu, puxou-me delicadamente pela mão, deu-me um abraço e depois pondo-se em bicos de pés deu-me um beijo suave nos lábios. Não escondo, sentia saudades do seu toque e principalmente dos seus lábios nos meus, mas, infelizmente, o motivo que me levava ali naquela noite não era agradável para nenhuma de nós.
Foi já no apartamento, com ambas sentadas no sofá, que lhe disse o que me ia na alma, sem conseguir controlar, as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto e ela parecia em transe, olhava-me como se as coisas que lhe dizia fossem ditas numa língua estranha... segurei as suas mãos, olhei-a nos olhos e morrendo por dentro terminei a relação com o grande amor da minha vida.
(…)
A primeira vez que a vi foi no ginásio e estava a preparar-me para ir tomar um duche, quando, num momento breve e fugaz, os nossos olhares se cruzam e sem querer se mantêm fixos. Ficámos presas no olhar uma da outra e nenhuma de nós conseguia desviar o rosto... um mar verde colidia com um azul e onde antes existia calmaria depressa se tornou tormenta e eu não aguentei, as minhas emoções estando “à flor da pele” fizeram com que desviasse o olhar, baixei a cabeça, limpei o rosto à toalha e saí apressada sem sequer olhar para trás.
Tomei um duche rápido, muito rápido, não por pressa, mas por um simples e inexplicável receio que nem sabia explicar. Um tremor percorreu o meu corpo molhado arrepiando-me. Regressei então com a toalha enrolada em mim, limpei-me calmamente respirando fundo e tentado esquecer o que havia acontecido. Foi quando me comecei a vestir que senti a minha pele arrepiar outra vez, cerrei os olhos e inspirei bruscamente o ar que me faltava e nem me apercebi que havia sustido a respiração. Abrindo os olhos lá estava ela, tão linda a olhar para mim, nenhuma de nós disse nada, apenas os nossos olhos se fixaram e o seu mar verde misturando-se outra vez com o meu azul fez voltar a tormenta. Eu já não controlava as minhas emoções e ela, no entanto, parecia estar bem tranquila. Essa postura calma ainda me deixou mais abalada e eu não conseguia perceber o que se estava a passar comigo. Que poder teria esta miúda para me deixar assim tão desnorteada?
A verdade é que eu não sabia nada dela, quem era e porque razão me olhava assim, mas, desta vez, foi ela quem desviou o olhar, a sua postura mudou e virando-se saiu sem dizer nada. Fechei os olhos, respirei fundo e senti um grande alívio, notei que estava tensa e tentei relaxar. Acabei de me vestir, arrumei as minhas coisas e tentando esquecer o que acontecera, fui embora.
Este conto terá continuação, agradeço desde já a leitura.
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