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sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Seara de sedução... Ondas de Paixão. (Parte 2)

Este conto, sendo a parte dois, é a continuação direta de um outro, para ler a primeira parte clique aqui.
Acordei cedo, havia sido mais uma noite mal dormida… O meu corpo ressacava pela sua presença e já perdia a conta há quantidade de noites sem ela na minha vida… sofria pela sua ausência e ainda sofro porque sei que não há como voltar atrás, não naquelas condições, não sendo reprimida e humilhada por ciúmes doentios… passei a mão esquerda pela cama e apertei os lençóis com força, as lágrimas brotaram dos meus olhos e escorreram livres enquanto o meu braço direito cobria o rosto. Um soluço involuntário me fez estremecer e comecei a chorar, tal e qual as outras manhãs em que o havia feito, até parecia estar a tornar-se rotineira esta minha forma de acordar... O meu coração batia acelerado no peito e até conseguia ver as pulsações sob o fino tecido do meu pijama.

- “Que merda! Reage Alexia, reage! Não podes ficar para sempre neste tormento e neste nível de tristeza. Vamos, levanta-te e sai da cama!” - Pensei, falando em voz alta, como quem dá uma reprimenda a alguém, embora neste caso o alvo de tais palavras fosse eu própria.

- “Bonito, agora, além de chorar pelos cantos ainda falo sozinha! Já pareço a Manuela quando está na cozinha a tratar das refeições.” - Ri-me com estes pensamentos entoados mais uma vez em voz alta e saltei da cama. Tomei um duche rápido, demasiado rápido... Isto porque até a minha líbido parecia ter-me abandonado, despachei-me e saí para ir ter com a Sónia.

- “Esta rapariga é doida, tem de parar de trabalhar tanto, qualquer dia dá-lhe uma coisinha má!” – Pensei quando entrei no armazém de ‘lingerie’ onde trabalhava a Sónia com a mãe. Acenei da entrada e um sorriso brotou dos seus lábios quando me viu, largou tudo o que estava a fazer e veio ter comigo retorquindo:

- “Como é, caíste da cama?! É muito cedo, mas estás com boa cara hoje, ou então é da maquilhagem. Faz tempo que não te vejo assim tão produzida e tão luminosa.”

- “Pois é, estava na hora de sair do buraco e como acordei cedo lembrei-me de vir tomar o pequeno-almoço contigo. Podes sair agora?”

- “Sim, claro que sim, sabes que para ti tenho sempre um tempinho.”

Saímos então para ir tomar um café e comer um pastel de belém a Belém (zona de Lisboa onde encontramos estes doces típicos e que têm uma grande procura). Ela pediu apenas um café e um pastel porque já tinha tomado o pequeno-almoço e eu pedi uma tosta de queijo e um néctar de pera. No fim, acabei por pedir também um pastel de belém, é mesmo impossível resistir-lhes.

- “Como estás? Ainda não estás bem, mas nota-se que estás melhor e…” - Interrompi-a dizendo de chofre:

- “Conheci uma rapariga!”

- “Hã?! Conheceste? Quando?” – Perguntou ela arregalando os olhos e fazendo aquela expressão, que eu já conhecia, de pura reprovação.

- “No ginásio, no outro dia, e pronto, não foi bem conhecer. Apenas olhámos uma para a outra e ela parecia querer despir-me até a alma, que olhos lindos ela tem, sério, de um verde tão verde que parecem esmeraldas. Mas pronto, foi apenas isso, ela é muito novinha.”

- “O facto de ser muito novinha faz diferença?! Mas não me digas que já ultrapassaste a separação?”

- “Não, claro que não…”

- “Para qual das perguntas?” – Interrompeu ela, nem me deixando acabar o que estava a dizer. Chegou-se então mais para mim, cruzou os braços sobre a mesa e esperou a minha resposta com curiosidade. Ri-me e respondi:

- “A resposta é não para ambas as perguntas. A sério, não me faz diferença alguma que ela seja assim tão nova. Mas caramba, ela deve ter no máximo dos máximos uns 18 anos… A Katia já conseguia ser suficientemente imatura e olha que tem muito mais idade. Por isso não está nos meus planos envolver-me com ela, mas a verdade é que de facto mexeu comigo e bastante.”

- “Sim, nota-se que mexeu contigo. Ficaste mesmo abespinhada, não foi por mal que te perguntei isto, mas a verdade é que se nota um encantamento grande quando falas dessa tal rapariga.”

Encerrámos a conversa por ali e finalizámos o pequeno-almoço em silêncio, ela com muita atenção às minhas expressões e eu pensativa, relembrando aqueles olhos verdes que passei, em tão pouco tempo, a admirar.  Paguei a conta e à conta disso saberia que teria um qualquer conjunto da “Triumph” como oferta.

- “Minha nossa, esta rapariga é sempre igual, não se pode fazer um miminho, oferecer nada ou fazer sequer um agrado que tem de retribuir em dobro.” – Sorri com os meus pensamentos e abracei-a do nada. Ela ficou algo atrapalhada, por não gostar assim tanto destas manifestações de afeto, principalmente em público, mas acabou por me abraçar também e eu fiquei muito feliz por ter a sua amizade e principalmente por a ter na minha vida.

Chegámos ao armazém conversando animadamente até que parei abruptamente fazendo a Sónia olhar para trás e interrogar-se sobre o que tinha acontecido. Olhei para ela e mexendo apenas os lábios disse-lhe:

- “A Katia está ali…”

- “Ah! Desculpa-me, nem me lembrei, mas não pensei que ela viria tão cedo. Ela disse-me que iria passar por aqui mais tarde para que pudéssemos conversar um pouco.”

- “Tudo bem, mas assim vou indo. Até logo.”

Saí dali o mais depressa possível e evitando ao máximo olhar para trás. Ela parecia estar bem, mas não lhe cheguei a ver o rosto por estar protegida atrás dos óculos escuros. Senti a sua presença ali, com muita força em mim e resolvi ir sentar-me à beira-mar para aliviar toda a tensão entretanto acumulada. Não era fácil vê-la sem ficar abalada…  

Estava eu a admirar o mar, sentada num banco, na Ericeira, com os cabelos soltos esvoaçando ao vento. Encolhi-me mais um pouco e respirei fundo sentindo a maresia, com o seu cheiro característico, invadir-me as narinas. As lágrimas ameaçavam transbordar dos meus olhos quando uma voz suave me tirou do transe.

- “Também adoro ver o mar e hoje está especialmente belo, está bravo, está forte. Adoro ver as ondas bater nas rochas e a espuma branca que se mistura com o verde… e com o azul… como os teus olhos, que de tão azuis, fazem lembrar o mar.”

Arrepiei-me inteira, mas não de frio, a voz melódica e algo rouca entrou pelos meus ouvidos e tocou bem no fundo do meu ser. Virei-me e vi-a, que sorrindo olhava para mim, então disse-lhe:

- “Os teus olhos é que são lindos, nunca tinha visto uns olhos assim tão verdes e luminosos. São mesmo brilhantes... e aqui à beira-mar ainda se tornam mais encantadores.”

Ela sorriu com a minha observação, mas não disse mais nada, limitou-se a virar a cara e ficar a olhar o mar tal como eu. Ficámos uns minutos em silêncio observando as ondas que batiam violentamente nas rochas libertando e espalhando espuma pelo ar. Um arrepio percorreu o meu corpo e encolhi-me mais um pouco. Ela aproximou-se e disse baixinho:

- “Talvez esteja na hora de ir embora, está muito frio e ainda ficas doente. Não sei o que se passa, mas não estás bem e não é bom para ti ficar assim...”

- “Assim como? Nota-se assim tanto? - Retorqui, interrompendo-a.”

- “Nota-se um pouco para quem prestar atenção e te olhar com olhos de ver. Tu andas quase sempre com o olhar vago e distante, além de fazeres exercício como se a tua vida dependesse disso e olha que não precisas, estás em grande forma. Mas, por outro lado, bem sei que os desgostos de amor são difíceis de superar.”

- “Como sabes que é um desgosto de amor? Pode ser outra coisa qualquer e depois não me pareces ter assim tanta experiência, ou terás?” - Perguntei franzindo o sobrolho em sinal de provocação.

- “Pode sim ser outra coisa, mas, neste caso, não é…. Estás a provocar-me, mas eu não costumo enganar-me e não quero com isto parecer presunçosa, petulante ou inconveniente. Depois, não é preciso assim tanta experiência para o perceber…”
Ela deixou algo por dizer e eu voltei a olhar a imensidão do mar, o verde e o azul misturavam-se entre as vagas e a espuma, o sol ao longe brilhava dando um ar ainda mais belo a todo este espetáculo. Alguns minutos mais tarde acabei por lhe dizer:

- “Sim, tens razão. Acabei uma relação recentemente e ainda não superei bem a separação, daí estar algo perdida e com as emoções à flor da pele...” - Não consegui sequer acabar de falar devido ao nó que se formou na garganta, um soluço abafado soltou-se e lágrimas teimosas e involuntárias rolaram pelo meu rosto. Ela arrastou-se para perto de mim e envolveu-me num abraço terno que me fez esquecer de tudo durante algum tempo.

- “O seu perfume é tão bom, não quero sair deste abraço nunca.” - Pensei enquanto ela afrouxava o abraço e aos poucos me ia soltando. Senti-a estremecer enquanto exalava um suspiro profundo.

- “Vamos? Preciso de boleia.” - Disse ela enquanto se levantava e ajeitava a sua roupa, agindo como se fosse a coisa mais natural do mundo pedir boleia a alguém que mal conhecia.

- “Sim, claro…” - Respondi algo desconcertada. - “Mas diz-me, para onde vais? Também moras no Parque das Nações?” - Questionei enquanto me levantava e também ajeitava a minha roupa e aconchegava mais o cachecol ao pescoço.

- “Não, moro em Loures na Quinta do Infantado. Tu sabes onde é, assim deixas-me lá e pronto…”

- “Mas, mas… como é que sabes que vou para casa? Como é que estás aqui, andas por acaso a seguir-me?! Não estou a perceber nada!” - Perguntei já exasperada, como é que ela sabia estas coisas, como é que ela estava aqui… como é que andava no mesmo ginásio que eu? Tinha de tirar isto a limpo!

- “Calma, não te exaltes que explico tudo pelo caminho... Ou então podemos ir comer a algum lado, afinal já é hora de almoço e tenho fome. Tu não?”

- “Estás a convidar-me para almoçar? Tens uma lata!” - Ri-me com vontade fingindo uma falsa indignação, foi bom porque não me ria assim ao tempo e soube mesmo bem.

- “Sério Alexia, não me gozes! Empresta-me o teu telemóvel para ligar à minha mãe e avisar que não vou almoçar a casa, pode ser?”

Passei-lhe o telemóvel de forma automática e ela afastou-se de mim para fazer a chamada. Ela parecia saber imensas coisas a meu respeito e eu que sabia dela? Nada de nada! Não sabia nada, exceto, o facto, dela ter os olhos mais bonitos que alguma vez vi. O seu jeito atrevido e decidido já me estava a despertar imensa curiosidade, no entanto já não me agradava assim tanto a forma algo arrogante e inconveniente, que roçava a falta de educação, com que me falava. Enfim, tinha de perceber tudo o que se estava a passar, que loucura era esta… ela acabou a chamada e voltou-se para mim, de cabeça baixa, mostrando que algo estranho se passava, perguntei-lhe:

- “Está tudo bem? Precisas de alguma coisa?” - Ela levantou a cabeça, olhou-me, mas pude reparar que os seus olhos já não tinham aquele brilho tão característico. Então, sem que conseguisse perceber, passou-me o telemóvel para a mão e quando o guardei pegou na minha outra mão, entrelaçou os seus dedos nos meus e puxou-me suavemente. Íamos caminhando lado a lado, de mãos dadas, quando e do nada ela me respondeu:

- “A minha mãe ficou um pouco chateada comigo. Vim numa visita de estudo, para um intercâmbio cultural, aqui à Ericeira e não regressei com o resto da turma… antes que me dês uma reprimenda, eu vi-te sentada ali a ver o mar e tudo o resto me pareceu irrelevante pois percebi que não estavas bem e de qualquer forma, a visita já tinha terminado.”

- "Agradeço, foste uma boa companhia e gostei muito de ter estado contigo, mas existem imensas coisas que ainda preciso de perceber…” - Não consegui acabar porque e mais uma vez, ela me interrompeu e falou empolgada:

- “Espero que gostes de tostas, estas são sem dúvida as melhores que já comi e estou cá com uma fome! Bom, nem perguntei, mas se não gostares vamos a outro lado, ok?”

- “Tudo bem, pode ser aqui mesmo. Eu adoro as tostas do ‘Galiota’, já cá tinha comido e são de facto deliciosas.” - Respondi sentindo “água na boca” porque de facto não conhecia tostas assim tão boas.

Entrámos e escolhemos uma mesa perto da janela, isto apesar da vista ser para uma rua deserta. Sim, porque estávamos em pleno inverno e o fervilhar de atividade na Ericeira com um pico anormal de pessoas, sendo a maioria turistas, ocorria nos meses de verão. A vila piscatória é conhecida pelas suas praias, pelo peixe fresquinho e claro, pelo seu marisco que se poderá mesmo considerar um dos melhores de Portugal.

O frio afastava as pessoas da rua e tínhamos por isso o restaurante só para nós, fizemos os pedidos e como se nos faltasse assunto, ficámos em silêncio… Quando nos serviram, olhei para ela e percebi que ela também me olhava. Sorrimos e então, desviando o olhar para o prato, perguntei-lhe:

- “Já estamos a almoçar, podes começar a falar e a explicar-me direitinho o que se está a passar? Sinto-me perseguida e se por um lado gosto, por outro não me agrada nada!”

Ela sorriu, meteu uma garfada à boca, bebeu um pouco de coca-cola e respirando fundo respondeu-me:

- “Já reparaste que ainda nem me perguntaste o nome? Eu sei o teu…”

- “Sim, eu já reparei que sabes o meu nome!” - Interrompi falando de uma forma algo ríspida o que a levou a arregalar os olhos e parecendo mesmo algo assustada. Continuei a falar dizendo:

- “Eu não vou perguntar mais nada, mas quero que me expliques tudinho… por favor e obrigada.” - Completei de forma irónica e num nível de superioridade que a deixou, pude notar, algo intimidada.

- “Ok, ok… não te chateies por favor.” - Respondeu baixo, quase num sussurro. O que me deixou algo arrependida por ter sido tão bruta, mas ela nem me deixou pedir desculpa, porque logo continuou:

- “O meu nome é Yara e tenho 16 anos, moro perto da Quinta do Infantado em Loures como já sabes. A primeira vez que te vi não pude deixar de te admirar, quer em termos de beleza física como em postura, nunca tinha visto, nem conhecido ninguém que emanasse tanta presença e tivesse tanto poder de atracão como tu. Isso deixou-me abalada, sabes? Sim, porque eu nunca mais tive descanso, sonhava contigo a dormir e já sonhava também acordada… eu que me julgava heterossexual e para todos os efeitos bem resolvida, vi-me no meio de uma confusão de sentimentos. Apesar da minha pouca idade, não julgava ser possível perceber-me atraída por alguém do mesmo sexo e conversei com a minha mãe sobre isso, ela como sempre teve um espírito aberto e fez-me ver que nem tudo é mau e que o amor escolhe pessoas e não religião, etnia, idade ou sexo. Por isso, se me achava mesmo apaixonada, deveria investir nesse sentimento tão belo…”

- “A tua mãe foi incrível, deve ser fantástico ter uma mãe assim que nos apoie e nos dê conselhos sem recriminar ou condenar.” - Interrompi para logo lhe pedir que continuasse e ela assim fez:

- “Sim, a minha mãe é fantástica, mas não está muito tempo por casa, nem o meu pai, logo nem tudo é bom. Cresci rápido por ter de me desenvencilhar sozinha e desde cedo que vivo quase por minha conta, mas não me queixo, há por aí muita gente que adoraria ter a vida que eu tenho. Enfim, continuando…”

Neste momento ela parou e respirou fundo passando as mãos pelo cabelo, senti-a nervosa como se o que fosse dizer a seguir a comprometesse. Bebeu mais um gole de coca-cola e logo continuou:

- “…eu segui-te um dia e percebi onde moravas, por sorte fui fazer compras ao minimercado que há ali perto e quando saí vi-te sair também para ir ao ginásio. Como foste a pé eu fui atrás de ti e percebi onde fazias exercícios. Inscrevi-me e comecei a ir lá na hora em que te tinha visto, mas só nos cruzámos uma ou outra vez e nunca reparaste em mim e olha que eu bem tentei atrair a tua atenção…

Sabia que estavas feliz pela maneira como te comportavas, mas isso aos poucos foi mudando e uma altura lá no ‘Infantado’ vi-te depois de um encontro com a tua namorada, só então percebi que eras lésbica, e depois do que pareceu um momento bastante “animado” não ficaste com muito boa cara e se não me engano, estavas mesmo a chorar e arrancaste de carro a alta velocidade… aos poucos foste mudando a tua postura como disse, já não eras aquela menina alegre e que iluminava tudo quando entrava ou aparecia em qualquer lado. A minha aproximação mais efetiva deveu-se a isso, à minha preocupação contigo. Peço imensa desculpa se te causei algum incómodo ou fui inconveniente…”

Tinha neste momento a cabeça a fervilhar e já não conseguia sequer engolir o sumo de laranja que havia pedido para acompanhar a minha refeição e a minha boca estava tão seca que parecia ter na boca uma lixa em vez da língua. Interrompi-a e a custo disse-lhe:

- “Eu fiquei surpreendida com a tua abordagem, parecias saber imensa coisa a meu respeito e depois, do nada, apareces e metes conversa comigo de uma forma tão ousada que isso me deixou claramente desconfortável, não nego. Bom, isso aliado ao facto de não saber sequer o teu nome e tu não me saíres da cabeça desde que os nossos olhares se cruzaram no ginásio…”

- “Não te saio da cabeça? Pensas em mim? Adoro saber isso, mas sabes, esta minha ousadia é aparente… perto de ti, fico completamente à toa. Tu és linda e estou a “perder o norte”, já não consigo sequer raciocinar porque acordo e adormeço a pensar em ti.”

- “Eu também confesso que penso imensas vezes em ti, mas a minha cabeça ainda está numa confusão, o fim da minha relação com a Kátia é recente e eu amava-a profundamente. Por isso e de momento não estou disponível para qualquer tipo de relacionamento…”

- “Nem para uma relação de amizade?!” - Ela perguntou rápido, mas notando-se uma certa tensão na sua voz. Eu ri-me e respondi:

- “Para novas amizades estou sempre aberta, e tu pareces ser uma excelente pessoa além de teres um jeitinho que me aguça a curiosidade. Enfim, menina Yara, toca é a acabar a refeição que o tempo foi passando e daqui a nada somos expulsas do restaurante e nem tu, nem eu, acabámos de comer.”

Comíamos então num silêncio mudo, de fora dir-se-ia que era apenas um almoço entre duas pessoas, duas amigas… embora um olhar mais atento, mesmo que não fosse um olhar entendido em ler expressões corporais, conseguiria perceber todos os sinais, os olhares furtivos, o nervosismo nas ações e a respiração quase sempre em suspenso.
Adorei a sua companhia, adorei as revelações que me fez e adorei também o facto de saber que alguém me desejava e aparentemente me amava mesmo que eu não pudesse para já retribuir.
Paguei a refeição e saímos para o frio, caminhámos de mãos dadas junto ao mar e o momento parecia algo irreal, diria mesmo surreal. Porquê? Porque mal a conhecia, a verdade é que ela havia mexido comigo, mas era uma loucura esta aproximação tão repentina e tendo eu saído de uma relação intensa e desgastante (talvez não seja bem a palavra certa, mas vou deixá-la na mesma) há relativamente pouco tempo.
A viagem até Loures foi rápida, no caminho conversámos sobre as nossas aulas, as dela ainda no liceu e as minhas da universidade, ela quer seguir psicologia e parece ter jeito para isso. Falámos das nossas preocupações e receios para o futuro e pude perceber a sua sagacidade e inteligência, mas quando a conversa estava a fluir e a animar, chegámos. Ficou então um clima estranho no ar, o silêncio imperou e nenhuma de nós se mexeu. Olhávamos o infinito como que em transe quando ela mais uma vez me surpreendeu dizendo:

- “Adorava poder beijar-te agora…”

Estremeci, olhei-a estarrecida e mergulhando no seu mar verde e revolto disse-lhe num sussurro interrompendo-a:

- “Beija-me então”.

Ela aproximou-se de mim e passou os dedos frios pelo meu rosto, arrepiei-me toda e involuntariamente fechei os olhos, foi aí que senti os seus lábios encostarem delicadamente nos meus e enquanto uma das suas mãos me acariciava o rosto a outra pousou na minha cintura apertando ligeiramente. Entreabri os lábios e arrastei com isso os dela, a minha língua forçou um pouco a entrada da sua boca e com isso ela gemeu amolecendo nos meus braços que, entretanto, já a envolviam. Apertei-a mais e puxando-a para mim, fiz a minha língua entrar na sua boca, as nossas línguas tocaram-se e envolveram-se numa dança sensual e doce. O beijo era intenso e maravilhoso, não dava vontade de parar, mas a respiração já nos falhava e então, afogueadas separámos os lábios para poder respirar. Ela virou-se para a frente e passando as mãos pelos seus cabelos ruivos expirou profundamente e de cabeça baixa retorquiu:

- “Meu Deus Alexia! Eu vou ficar doida… Que beijo foi este… Nunca tinha beijado uma mulher antes e não pensei que pudesse ser assim tão bom, tão intenso e maravilhoso. Vou ter de ir, desculpa.”

Com isto, virou-se e saiu à pressa. Fechou a porta do carro atrás de si com força e correu para casa. Tentei sair atrás dela, mas já não fui a tempo…

Este conto terá continuação. Agradeço, desde já, a leitura.

Alexandra Miranda (03-10-2025)

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Seara de sedução… Ondas de paixão.

 Este conto, é a continuação de um outro, publicado neste blogue há muito tempo e que tem o nome Submissa... - Clique aqui para ler.

A minha vida estava nesta altura, como se diz na gíria popular, de pernas para o ar! Eu vivia os meus dias a pensar no que havia acontecido, no que nos havia levado a isto e na minha cabeça os pensamentos andavam a “mil à hora” e suspirava de todas as vezes que me lembrava dela.


Os dias passavam tranquilos na maioria das vezes, mas, num ápice e sem motivo aparente ela transformava-se e virava uma outra pessoa... Discutíamos quase todos os dias e tudo era motivo para tal comportamento, isso acontecia se eu não respondia de imediato às suas mensagens ou não atendia logo as suas chamadas, se por algum motivo saía mais tarde do trabalho ou demorava mais tempo a chegar a casa, mas piorava por estar simplesmente na conversa com alguma amiga ou amigo fosse pessoalmente ou na internet. Tudo era motivo para os seus surtos e estes eram cada vez mais frequentes... nesses momentos já não havia razão, apenas emoção! Tudo o que havíamos construído começava a desmoronar porque o seu controlo incessante me sufocava ao ponto de não conseguir sequer respirar e os seus ciúmes doentios tomavam proporções assustadoramente perigosas ao ponto de chegar a temer pela minha integridade física. 


O dia acordou sombrio tal como o meu humor, abri os olhos e mais uma vez sinto o vazio, estou sozinha na minha cama, no meu quarto, na minha casa... partiu dela darmos um tempo e isso, por si só, foi surpreendente. Talvez ela tenha entendido, finalmente, que eu estava completamente de rastos e sofria imenso. Não passava um dia em que não chorasse e depois, ela chorava também...  

Dar um tempo pode ser algo doloroso, mas se por um lado achei que seria bom para limparmos a cabeça, por outro senti que estávamos a falhar enquanto casal se já não conseguíamos conversar como gente civilizada. Bom, o mal estava feito, agora já era um pouco tarde para remediar isso. 

Quando saí da casa dela não imaginava que seria tão difícil esta distância e apesar de tudo, não me estava a fazer bem nenhum. Como será que ela estava a reagir a tudo isto? A verdade é que não sabia, nunca mais falámos uma com a outra e apesar de a amar e sentir muito a sua falta, sabia que não podia continuar a ser anulada e maltratada por ela. As suas constantes cenas de ciúmes e a possessão doentia estavam a deixar a nossa relação “sem pernas para andar” e eu não estava a aguentar mais. 

Assim, nestes dias, a minha escapatória era, tão só, trabalhar e fazer exercício por forma a aliviar a tensão acumulada e o estresse. Todos os dias de manhã, bem cedo, tentava sair de casa para ir correr e aliviar a cabeça depois de mais uma noite mal dormida. Correr junto ao tejo pela manhãzinha e sentindo o ar fresco invadir os meus pulmões dava-me alento a continuar, libertava-me por momentos da angústia que a calmaria e a solidão me traziam, porque quando parava todos os meus pensamentos me levavam de volta a tudo aquilo que eu queria esquecer. 


Por todos os motivos e mais alguns, a relação e ligação aos meus amigos estava a atravessar uma fase conturbada e delicada, digo delicada, porque me havia afastado sem dar conta de todos eles ou quase, afinal tínhamos vários amigos em comum e por mais que eu não quisesse, sabia que acabaria por “esbarrar” nela mais cedo ou mais tarde 

Apesar deste meu afastamento, a Sónia, minha melhor amiga, era das únicas com quem ia falando regularmente e ela quase sem querer ia fazendo a “ponte” entre mim e a Katia. Ela levava ou trazia recados, levava ou trazia roupas, objetos e outras coisas que com estas mudanças haviam ficado para trás na casa de uma ou da outra. Mesmo tendo tão ingrata tarefa, a Sónia, mantinha-se o mais imparcial possível por ser amiga de ambas, mas sempre ia dizendo que havíamos chegado a este ponto por culpa minha. Eu até entendia, em parte, a sua razão ao dizer isto, mas, para mim, o colete-de-forças em que vivia diariamente mais vontade me dava de soltar amarras e ser livre... 

Nesse dia eu cheguei a casa decidida, tomei um duche quente, relaxante e demorado, sequei os meus cabelos olhando o meu reflexo desfocado no espelho, vesti a minha lingerie mais sensual (para me sentir confiante), um conjunto de cabedal (sim, eu sabia que ia ser uma luta difícil) e calcei os meus sapatos com o salto mais alto que tinha. Depois de pronta, olhei-me ao espelho, respirei fundo e saí para ir conversar com ela. 

Toquei à campainha e esperei que me abrisse a porta do prédio, ela abriu, mas não disse uma palavra sequer pelo intercomunicador. Eu entrei, chamei o elevador e como ele estava no último andar, tive que esperar. Esta espera fez aumentar a minha ansiedade e o meu coração batia desenfreado no peito. Sabia que tinha de me controlar, também sabia que não dava mais, e que o amor, sozinho, não suporta tudo. Sabia que amar alguém não pode nem deve levar a este tipo de humilhação e rebaixamento. O elevador chegou e abriu as portas. Era agora, tinha de ser forte. 

Quando cheguei ao andar do seu apartamento, depois de uma subida que me pareceu eterna, ela já me esperava à porta do elevador. Olhou para mim de olhos arregalados e a sua boca abriu-se de espanto quando me viu, puxou-me delicadamente pela mão, deu-me um abraço e depois pondo-se em bicos de pés deu-me um beijo suave nos lábios. Não escondo, sentia saudades do seu toque e principalmente dos seus lábios nos meus, mas, infelizmente, o motivo que me levava ali naquela noite não era agradável para nenhuma de nós. 

Foi já no apartamento, com ambas sentadas no sofá, que lhe disse o que me ia na alma, sem conseguir controlar, as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto e ela parecia em transe, olhava-me como se as coisas que lhe dizia fossem ditas numa língua estranha... segurei as suas mãos, olhei-a nos olhos e morrendo por dentro terminei a relação com o grande amor da minha vida. 


(…) 


A primeira vez que a vi foi no ginásio e estava a preparar-me para ir tomar um duche, quando, num momento breve e fugaz, os nossos olhares se cruzam e sem querer se mantêm fixos. Ficámos presas no olhar uma da outra e nenhuma de nós conseguia desviar o rosto... um mar verde colidia com um azul e onde antes existia calmaria depressa se tornou tormenta e eu não aguentei, as minhas emoções estando à flor da pelefizeram com que desviasse o olhar, baixei a cabeça, limpei o rosto à toalha e saí apressada sem sequer olhar para trás.  

Tomei um duche rápido, muito rápido, não por pressa, mas por um simples e inexplicável receio que nem sabia explicar. Um tremor percorreu o meu corpo molhado arrepiando-me. Regressei então com a toalha enrolada em mim, limpei-me calmamente respirando fundo e tentado esquecer o que havia acontecido. Foi quando me comecei a vestir que senti a minha pele arrepiar outra vez, cerrei os olhos e inspirei bruscamente o ar que me faltava e nem me apercebi que havia sustido a respiração. Abrindo os olhos lá estava ela, tão linda a olhar para mim, nenhuma de nós disse nada, apenas os nossos olhos se fixaram e o seu mar verde misturando-se outra vez com o meu azul fez voltar a tormenta. Eu já não controlava as minhas emoções e ela, no entanto, parecia estar bem tranquila. Essa postura calma ainda me deixou mais abalada e eu não conseguia perceber o que se estava a passar comigo. Que poder teria esta miúda para me deixar assim tão desnorteada?  

A verdade é que eu não sabia nada dela, quem era e porque razão me olhava assim, mas, desta vez, foi ela quem desviou o olhar, a sua postura mudou e virando-se saiu sem dizer nada. Fechei os olhos, respirei fundo e senti um grande alívio, notei que estava tensa e tentei relaxar. Acabei de me vestir, arrumei as minhas coisas e tentando esquecer o que acontecera, fui embora.



Este conto terá continuação, agradeço desde já a leitura.



Alexandra Miranda (23-09-2025)